sábado, 5 de dezembro de 2015

Resenha #10 - Fluam, minhas lágrimas, disse o Policial (Philip K. Dick)

[SEM SPOILERS]
"Fluam, minhas lágrimas, disse o policial" (Flow my tears, the policeman said) é uma das obras mais emocionais de Philip K. Dick. Isso não significa que o livro seja meloso, mas intimista com certeza. O autor aborda temas como identidade, drogas e em menor proporção a fama e a governos autoritários.

O mundo onde se desenrola a estória é uma ditadura da polícia, fruto de uma segunda guerra civil nos EUA. Nela, estudantes vivem sob cerco nos esgotos, os negros foram esterilizados e projetos de reprodução de eugênia chegaram a ser tentados. A televisão ganha uma influência na sociedade, onde a tecnologia de carros voadores e viagens interplanetárias são corriqueiras.
Acompanhamos Jason Taverner, uma celebridade, que possui um programa semanal na TV e vários discos gravados, não demora muito para vermos que Jason é um sujeito manipulador e egoísta que usa seu charme para conseguir o que quer. Depois de uma discussão com uma ex-amante que atentou contra sua vida ele acorda em um quarto de hotel, sem documentos. A partir daí, ele descobre que ninguém sabe quem ele é. Todos os conhecidos com quem tenta contado, parecem desconhece-lo. Os registros oficiais mostram que ele nunca existiu e a sua jornada pela busca de sua identidade se inicia. 
Capa da primeira edição brasileira com o tosco nome de: "Identidade Perdida - O homem que virou ninguém"
Identidade e a "resposta" científica
Um dos elementos originais aqui é como Dick aborda a perda da identidade. Em livros como em "Identidade Bourne" de Robert Ludlun, e em muitos filmes temos , na maioria das vezes um personagem principal que perdeu sua memória e busca sua identidade procurando certas pessoas que o conhecem e fugindo de outras. Em "Fluam minhas lágrimas", Taverner sabe quem é, mas o mundo ao seu redor o desconhece. A presença da fama em sua vida e o mundo tomado por uma ditadura policial agravam seu drama.
A busca de Taverner o leva a um dilema constante, não exclusivo deste livro, mas na obra de Dick como um todo: qual o limite entre o real e o irreal? Não nos é oferecido um chão seguro para pisar. Entramos nas dúvidas de Taverner e continuamos a querer saber o que aconteceu. Em certo momento teremos as respostas plausíveis para os questionamentos de Taverner, ouvidas da boca de um cientista. Contudo percebemos o quanto essa resposta deixa um vazio. A ciência aqui é apenas capaz de mostrar "como", mas não o "por que" de tudo ter acontecido daquela forma.
Conclusões
O tom intimista da obra é um prenuncio para o quase autobiográfico VALIS. As pessoas que Jason vai conhecendo, com seus dramas pessoais misturando-se aos dele são mostradas com muita sensibilidade por Dick, isso nos impede de rotular qualquer personagem sumariamente. Este é um efeito que engrandece a obra. Neste ponto, vejo a obra de Dick como uma homenagem aos amigos que perdeu para as drogas e que ele próprio seria vítima quando da sua morte em 1983.
Ficha técnica
Título: "Fluam, minhas lágrimas, disse o policial" (Flow my tears, the policeman said)
Autor: Philip K. Dick.
Editora: Aleph
Nº de páginas: 255
Ano: 2013 (1974).
Aquisição: Comprado na feira do livro de Porto Alegre por 38 reais. É, desisti de procurar em sebos.

3 comentários:

  1. Ótima resenha. Bem observado o ponto de que "Taverner sabe quem é, mas o mundo ao seu redor o desconhece". É um grande diferencial nesta obra. Com isso, experimentamos aquela atmosfera kafkaniana de "O Processo".

    É o segundo livro do autor que leio e foi uma grata surpresa. Me animei na relação que você fez com Valis, tenho muita vontade de ler esta obra, mas queria muito ter aquela edição impressa antiga da Aleph, com a capa que mimetiza uma caixa de remédio Tarja Preta. Acho que foi a capa que mais traduz quem é Philip K. Dick, uma pena terem mudado a arte dos livros dele.

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  2. Esse livro é meu preferido dele empatado com "Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas?". E no final da leitura, as minhas lágrimas também fluíram...

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  3. Parabéns pelo seu artigo amigo. E pelo blog também!!

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